Entrevista concedida por Raúl Reyes à Revista Fórum dois meses antes de ser morto pelo Exército Colombiano. É um documento rico para compreendermos um pouco sobre a história, os objetivos e a geopolítica entorno das Forças Revolucionárias da Colômbia. O movimento guerrilheiro mais antigo da América Latina.
Fórum – Em 43 anos de luta, quais foram os grandes acertos e erros das Farc?
Reyes – O principal acerto das Farc foi ter sido criada como organização de oposição ao regime e converter-se hoje em uma opção de poder para governar a Colômbia. O erro, talvez por causa da guerra, foi não ter chegado ao poder. Porque as guerrilhas, em qualquer parte do mundo, que tenham planos bem definidos como a nossa, querem chegar ao poder e derrubar o regime governante. Em nosso caso, já passou todo esse tempo e não conseguimos ainda. Mas houve um importante desenvolvimento, uma experiência riquíssima. Conseguimos formar um grupo grande de jovens, homens e mulheres com capacidade de fazer qualquer trabalho revolucionário, dirigir organizações guerrilheiras grandes ou pequenas, capazes de aportar os conceitos políticos e ideológicos da organização, conhecimentos suficientes sobre as razões das lutas. Isso me dá a certeza de que um dia deixaremos de ser clandestinos e nos lançaremos à luz pública. Estamos satisfeitos por ser uma guerrilha independente, revolucionária, com ideologias e convicções inspiradas na Revolução Cubana, no Che, em Mao Tsé-Tung, em Ho Chi Minh e em nossa própria experiência, que é riquíssima.
Fórum – Mas o senhor acredita que a organização ainda pode chegar ao poder?
Reyes – Sobre isso não resta a menor dúvida: as Farc continuam lutando pelo poder e vão conseguir de qualquer maneira, seja pela via armada, seja pela via democrática, com acordos políticos. As Farc não fazem a guerra pela guerra. Fomos obrigados pelo Estado colombiano a fazer a guerra para nos defender e conseguir a paz. Todas as ações militares que as Farc realizam não possuem um caráter distinto do político. Porque somos uma organização com uma proposta de governo, uma proposta de Estado. Uma proposta para uma Colômbia diferente da que nos foi imposta pelos comandantes da oligarquia colombiana. As Farc não estão contra as eleições, porque somos uma organização comunista. Mas temos que saber quando poderemos participar de eleições e para quê. Se existe um processo que possibilite nossa participação, podemos participar e contribuir de alguma maneira. Caso contrário não faz sentido. Porque já tivemos a experiência do genocídio contra a União Patriótica.
Fórum – Como seria um governo das Farc?
Reyes – Seria um governo do povo para o povo. Um governo bolivariano, antiimperialista. Um governo de integração e irmandade com todos os países do mundo e particularmente com os vizinhos da Colômbia. Um governo que trabalharia pela integração latino-americana, pela Pátria Grande e pelo socialismo. Teríamos que conformar um novo exército, mais bolivariano e que respeite os Direitos Humanos sem nunca usar as armas contra o povo. Desde 1994, as Farc têm uma proposta para um novo governo: pluralista, patriótico, democrático e de reconciliação nacional. Um governo que abrigue todos os setores: sociais, docentes, estudantis, feministas, camponeses, indígenas, intelectuais, jornalistas etc. Mas também da insurgência revolucionária e dos partidos de esquerda. Se existem setores do Pólo Democrático Alternativo (partido de esquerda) que querem estar aí, sejam bem-vindos. Assim como do Partido Liberal, do Partido Conservador, da Igreja Católica também. Convidamos os militares patriotas, bolivarianos. Quer dizer que é uma concertação política para um grande acordo nacional, pela paz, pela convivência.
Fórum – As Farc mantêm ligação com o narcotráfico?
Reyes – Nenhuma. As Farc só mantêm ligação com os camponeses, que por não terem garantias de crédito e de assistência do Estado recorrem à produção de coca. Mas eles não são narcotraficantes. São trabalhadores rurais, que em algumas regiões plantam coca e em outras a papoula. Quem compra deles esses produtos é que são os narcotraficantes. As Farc têm vínculos com esses trabalhadores rurais, assim como têm vínculos com os plantadores de soja, de milho, de feijão, criadores de gado. Cobramos impostos, não dos camponeses, mas de quem compra deles os produtos. Em troca não deixamos que os roubem nessas negociações e que paguem o que é justo.
Fórum – Os seqüestros extorsivos também são outra forma de arrecadação questionável…
Reyes – As Farc não seqüestram. O que fazemos é cobrar impostos daqueles que financiam a guerra na Colômbia, como está previsto na lei 002, aprovada pelo Estado Maior central de nossa organização. Todos que têm patrimônio de mais de US$ 1 milhão têm de pagar 10% do que arrecadam para as Farc. Alguns pagam voluntariamente, outros se negam a pagar. E quando não pagam, prendemos até que paguem. Fazemos o mesmo que fazem os governos de todo o mundo com aqueles que não pagam impostos.
Entrevista na íntegra: http://www.revistaforum.com.br/blog/2012/02/raul-reyes-a-voz-das-farc-2/